Como já explanei a miséria que vejo no universo Mauricio de Sousa (sob o risco de eu também me tornar miserável), agora vou me concentrar na riqueza com maior carinho. A trilogia de homenagens aos 50 anos de carreira de Mauricio é um bom lugar pra se (re)começar. Ao 150 artistas diversos terem a oportunidade de tecer variações das Turma da Mônica algo fantástico aconteceu: nós enxergamos mais do que os meros personagens, nos seus traços típicos e enredos tradicionais. Nós vimos o simbólico que circunda a “turminha”.
Pois é justamente na modificação do traço, na experimentação do enredo que resta aquilo que ainda torna a Turma da Mônica o que ela é. Percebemos então os rastros, vestígios do que é mais fundamental (que fundamenta) o universo Mauricio de Sousa. Parece-me que esta visão (podemos dizer, essa revelação) ocorre em três diferentes recursos estéticos, que curiosamente todos os artistas da trilogia MSP 50 ora ou outra recorreram.
Cebolinha então num traço mais grotesco parece um louco obsessivo pelo Sansão, Cascão numa determinada texturização se torna perturbadoramente sujo, Mônica num desenho realista parece uma super-heroína ao exibir toda sua super-força, Chico Bento no colorido suave do campo se torna essencialmente lúdico ao mostrar um tipo de infância que muitos leitores sequer conheceram.
– O segundo recurso estético tenta identificar vestígios de um gênero, reforçando suas características. O grande destaque é o Astronauta (recordista em aparições) que em suas aventuras espaciais retoma as tradicionais aventuras intergalácticas de heróis como Buck Rogers ou Flash Gordon, assim como a solidão e nostalgia de um Surfista Prateado (que inclusive dá as caras).
– E o terceiro recurso estético tenta explorar o antes e o depois pra entender melhor o presente. São recorrentes então estórias que contam como a turminha se conheceu, como o antagonismo inteligência versus força bruta nasceu entre Cebolinha e Mônica, ou porque a Mônica ganhou o Sansão e tem nele uma arma contra qualquer ameaça física ou psicológica. Isso também se aplica aos coadjuvantes, como a estória que mostra a relação desde a infância de Nhô Lau com suas goiabeiras, como nasceu o amor do Jotalhão por Rita Najura, a recepção do menino Penadinho que tem dificuldades em aceitar a própria morte ou como Pipa ganhou seu apelido e conheceu Zecão.
Igualmente tem estórias no futuro, como a turma adolescente tentando recuperar o mundo mágico de uma infância perdida, o Cebolinha e Mônica adultos tentando entender ou lidar com o que sentiam (e ainda sentem) um pelo outro (algo bastante recorrente em diferentes estórias), Magali lutando contra a obesidade e a pulsão de comer ou ainda a turma já cinquentenária, investida de uma amizade que procuram jamais deixar morrer.

Tudo muito sofisticado e ao mesmo tempo tão simples, não? No final das contas, diante desses três recursos estéticos que apontei, me pergunto: haveria maior demonstração de carinho do que potencializar a Turma da Mônica para além de suas restrições (comentadas na primeira parte do texto)? O que o projeto MSP 50 fez foi carinhosamente materializar uma profunda vontade de potência na Turma da Mônica – na fórmula, gênero ou tempo, e sem com isso perder o lúdico que atravessa crianças e adultos. Que práticas como essa seja o começo de uma nova história em quadrinhos.